quinta-feira, 1 de maio de 2008


[Trabalho em desenvolvimento no projecto mapaprovisorio, no CENTA]
Binary growth
(1)lápis grafite sobre papel, 29,7x 42cm, 2008
(2)
margaridas brancas

ENTRE O ARQUIVO E O REPERTÓRIO[1]

A relação com um desenvolvimento experimental baseado no registo de pequenos gestos não marcados e na interferência entre a dinâmica processual do desenho e actos quotidianos alusivos à manutenção do corpo, manutenção dos espaços, etc. motivou esta investigação, que pretende questionar como pode ser pensado o desenho enquanto uma rede, uma rede, que permite uma convergência entre distintas áreas do fazer.

Por um lado, pensar o desenho, entendido numa relação muito directa com o seu modo de produção, tal como Goodman[2] exemplifica com o conceito de amostras – um desenho que incorpora as propriedades (as amostras) daquilo que representa, tem as mesmas propriedades da realidade a que se refere.

Por outro, partir deste lugar (CENTA - Tapada da Tojeira) e pensar sobre dois conceitos que Diana Taylor[3] explora: o de Arquivo que existe como algo que perdura no tempo (textos, documentos, edifícios, ossos), algo composto por matérias como mapas, cartas, documentos literários, vídeos ou filmes… Algo que funciona através do tempo e espaço mas o seu valor, relevância ou significado sofrem alterações de sentido e interpretação e o de Repertório que existe como algo que contêm a corporização dos actos: performances, gestos, oralidade, o movimento, a dança, o cantar, entre outros. O repertório está associado aos actos efémeros, ao que não perdura, ao conhecimento irrepetível.

Ao contrário do Arquivo, no Repertório nada permanece na mesma, tudo se transforma no espaço e tempo...

Lara Soares

Abril de 2008


[1] O CENTA, sendo uma Associação de apoio à Criação Artística Contemporânea na área das residências artísticas (onde se desenvolvem actividades de cruzamento entre as Artes Plásticas e Artes Performativas), surge através do projecto mapaprovisorio, como um recurso à disposição, para o desenvolvimento da componente experimental do mestrado em Práticas e Teorias do Desenho que frequento na FBAUP [Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto]. Considerando que uma teoria pressupõe uma prática e porque a motivação para uma pesquisa teórica será sempre o motor de avanço de uma prática experimental, proponho uma abordagem que se situa na confluência de duas plataformas: por um lado, a da prática e teoria do desenho e por outro, a dos estudos performativos.

[2] GODMAN, Nelson. Linguagens da Arte: Uma abordagem a uma teoria dos símbolos. Filosofia Aberta. Gradiva.2006.
[3] TAYLOR, Diana. The Archive and the repertoire: Performing Cultural Memory in the Americas. Duke University Press. Durham and London. 2003.














Reservoir
caneta preta e lápis grafite sobre papel
42,1 x 29,6cm, 2007



A ideia de reserva como decisão do “não fazer”, de deixar algo em suspenso, numa tentativa de suscitar a curiosidade, de dar a entender algo omitido ou que se quer omitir. A reserva que se configura por meio da omissão.
O braço que desenha é colocado sobre a folha aleatoriamente e dele se desenha o contorno. Com uma caneta repete-se o mesmo gesto (pequenos traços verticais), dentro de um espaço limitado pela rotação do pulso. O braço imóvel marca o espaço do desenho e a rotação do pulso a sua amplitude.


Esta pesquisa surge da necessidade de compreender e operar o Desenho numa relação directa com os actos performativos quotidianamente adquiridos.
O cozinhar, o Costurar, o falar são alguns campos de acção do Gesto. O gesto como prolongamento do pensamento para o exterior, como contaminação de um espaço/tempo. Numa relação estreita entre o verbal e o gestual. O corpo como motor do Desenho. O corpo biológico, que memoriza, que repete, que transfere, que limita, que implica.
Pretendo perceber de que modo a prática do desenho, encarado de forma processual (o processo do desenho enquanto espaço/tempo de concretização), pode ou não ser contaminada por acções do quotidiano.
A prática do desenho é aqui entendida como um campo, que produz ele próprio algo que o transcende e que ao mesmo tempo é um lugar de contaminação de acções exteriores a si, (Dupla dialéctica entre o desenhador e o desenho onde se processam diversas acções motoras do próprio desenhar). O objectivo é perceber se o Desenho tem a capacidade de memorizar, registrar dados e de se rever continuamente.
Pretende-se desenvolver ferramentas que permitam analisar as possibilidades desta transferência de dados segundo perspectivas formais, conceptuais, operatórias e linguísticas.













Bruços
carvão sobre papel
150x150cm, 2007


A repetição e a obsessão como características da pratica do desenho

Tenta-se explorar estes dois conceitos como sendo operativos, desencadeadores de acção e de ideias. São dois conceitos que se relacionam pelo seu lado conceptual, de procura incessante de atingir objectivos. De superar problemas e levantar questões, que por sua vez geram novos desafios e logo, novas estratégias de exploração.
Repetição - repetir = Acto ou efeito de repetir; reprodução de matéria dada; iteração; repisar; reflectir; tornar a principiar; acontecer de novo; reaparecer.
Explorar a ideia de “comportamento disciplinado” de Michel Foucault que usa o conceito de “Disciplinas”, “Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante das suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade…”
Interessa explorar esta ideia de comportamento disciplinado, de uma espécie de controlo sobre o corpo, sobre os gestos; de um corpo que se compõe pelo todo e pela soma de pequenas partes. Um corpo que não deixa escapar o detalhe, que explora e atenta o mínimo detalhe - aproximação com o conceito da disciplina do minúsculo.













Sem titulo
Óleo de linhaça e betume judaico sobre papel

35,5x20cm, 2004

Sem titulo
Cêra de modelar natural

30x3x2,5cm, 2005

Derramo materiais líquidos sobre o papel e manipulando o papel controlo a direcção do liquido e a sua absorção; Colo matérias como filtros … Apenas tenho controlo de partes do processo e não do todo.

A mão pega, aperta e amassa; Molda, deforma, e forma. Intensamente ela é o primeiro contacto, fazendo surgir algo que se cria, se faz, se transforma, objectos quentes, frios, que se tocam e se sentem. Objectos; Limites, formas abertas.
No entanto, existe uma contenção de uma certa sensualidade da matéria, mantendo o espectador a uma distância, gerando uma tensão; no sentido em que ao mesmo tempo que exploro o tacto, o toque na matéria, existe uma recusa do mesmo, aproximando os objectos do desenho.
O tacto é usado como ferramenta de trabalho porém é interdito ao espectador.